A Crueldade tem Humano Coração,
E tem a Intolerância Humano Rosto;
O Terror a Divina Humana Forma,
O Secretismo Humano Traje posto.
O Humano Traje é Ferro forjado,
A Humana Forma, Forja incendiada,
O Humano Rosto, Fornalha bem selada,
Humano Coração, Abismo seu Esfaimado.
William Blake, in "Canções da Experiência"
Tradução de Hélio Osvaldo Alves
Compaixão, Pena, Paz & Amor,
Todos lhes rezam no seu sofrimento;
E a estas virtudes de tanto fulgor
Entregam o seu agradecimento.
Compaixão, Pena, Paz & Amor
É Deus, nosso pai adorado,
Compaixão, Pena, Paz & Amor
É o Homem, seu filho amado.
Tem Compaixão humano coração,
E tem a Pena uma face humana,
Amor, a forma divina de eleição
E a Paz, o traje que irmana.
Todo o homem, em todo o clima,
Que, com dor, reza como é capaz,
Reza à forma humana divina,
Amor, Compaixão, Pena & Paz.
A humana forma amar é um dever,
Para os ateus, os turcos, os judeus;
Compaixão, Amor & Pena, haja onde houver,
Também é lá que encontrareis Deus.
William Blake, in "Canções da Inocência"
Tradução de Hélio Osvaldo Alves
O Jardim do Amor fui visitar,
E vi então o que jamais notara:
Lá bem no meio estava uma Capela,
Onde eu no prado correra e brincara.
E os portões desta Capela não abriam,
E "Não farás" sobre a porta escrito estava;
E voltei-me então para o Jardim do Amor
Lá onde toda a doce flor se dava;
E os túmulos enchiam todo o campo,
E eram esteias funerárias as flores;
E Padres de preto, em seu passeio secreto,
Atando com pavores minhas alegrias & amores.
William Blake, in "Canções da Experiência"
Tradução de Hélio Osvaldo Alves
A Piedade deixaria de existir
Se não fizéssemos nós os Pobres de pedir;
E a Compaixão também acabaria
Se a todos, como nós, feliz chegasse o dia.
E a paz se alcança com mútuo terror,
Até crescer o egoísmo do amor:
A Crueldade tece então a sua rede,
E lança seu isco, cuidadosa, adrede.
Senta-se depois com temores sagrados,
E de lágrimas os chãos ficam regados;
A raiz da Humildade ali então se gera
Debaixo do seu pé, atenta, espera.
Em breve sobre a cabeça se lhe estende
A sombra daquele Mistério que ofende;
É aí que Verme e Mosca se sustentam
Do Mistério que ambos acalentam.
E o fruto que gera é o do Engano
Doce ao comer e tão malsano;
E o Corvo o seu ninho ali o faz
No mais espesso da sombra que lhe apraz.
Todos os Deuses, quer da terra quer do mar,
P'la Natureza esta Árvore foram procurar;
Mas foi em vão esta procura insana,
Esta Árvore cresce só na Mente Humana.
William Blake, in "Canções da Experiência"
Tradução de Hélio Osvaldo Alves