Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013

Verso Vão

 

Onda de sol, verso de ouro,
perífrase vã. Extasiar-me,
antes, por esta fusão,
mistura de brilhos. Ou, ainda
mais íntima, a consciência
extensa como o céu, o corpo de tudo,
semelhança absoluta. Respirar
na quebra da onda. Na água,
uma braçada lenta
até ao limite de mim.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"


enviada por antonio01 às 23:47
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Quinta-feira, 17 de Outubro de 2013

Metafísica da Malva

 

Imaginava que as arestas das grandes folhas
esmaeciam e que a malva odorífera
era o coração verde mais vivo
entre as plantas daqueles campos.
Campos que em si
esmaeciam também na luz jacente celeste
espalhada pelo chão sem fim.
Céu inteiro no mundo sem diferença.
Folhagem a ser imaginada somente,
depois de a ver e apalpar o poeta,
guardada no coração para a rever.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Arómatas"


enviada por antonio01 às 00:53
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Quarta-feira, 9 de Outubro de 2013

O Nada. Sobretudo na Fase de Exaltação

 Os ramos de árvores despidos que nos lembram
o nada. Sobretudo na fase de exaltação
do espírito. Com a cabeça encostada
aos vidros altos.

Simultaneamente procurar o centro
da irradiação. O Sol matinal com os seus hiatos
preenchidos por casas. Ameias onde se
invertem os vértices do horizonte.
Sol magnânimo

fixo sobre as árvores abençoadas sem
folhas. Infinitos pormenores visíveis e
espaços audíveis preenchem a hora exaltada.
Ponto profusamente cheio. Um fino
silêncio exterior

sinal do nada circundante. Graveto
junto de graveto cruzados para além do fim
da perspectiva. Um significado diverso
naquelas ameias em outros planos. O nada
sempre coeso. Uma respiração intangível
e sem sombras.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Nova Natureza"


enviada por antonio01 às 02:06
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Sábado, 5 de Outubro de 2013

Bereshit Bara

 

Sons, rodeai-me. Percuti
à flor da fronte tensa. Na testa,
como num címbalo. Tal como batia
no crânio jovem o aulido
dos cães todas as noites
presos do terror de me guardarem.
Depois, por minha esperança,
na madrugada galos principiem.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"


enviada por antonio01 às 01:43
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Sexta-feira, 4 de Outubro de 2013

Estrada de Fogo

 

Pedra a pedra a estrada antiga
sobe a colina, passa diante
de musgosos muros e desce
para nenhum sopé;

encurva, na abstracta encruzilhada;
apaga-se, na realidade. Morre
como o rastilho do fogo,
que de campo em campo aberto

seguia, e ao bater na mágica cancela
dobrava a chama, para uma respiração,
e deixava o caminho do portal
incólume e iniciado.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"


enviada por antonio01 às 01:44
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Quinta-feira, 3 de Outubro de 2013

Poética de um Rosto?

 

Que a neofiguração se torne ní-
tida. Do objecto sedutor. Incrus-
tado nas vozes. Quanto resul-
taria, iluminado pelo silêncio.
O painel de onde se despren-
de a linha. Um modelo clássico
que revele. As palavras eter-
nas da fábula de Hero.

Proximidade incompreensível
como a de alguns poemas. Sen-
timentos que são indecifráveis.
Uma dedução para o fim. Tal-
vez o amor jubiloso dentro
da quarta parte da pupi-
la do olhar divisível pela
cruz axial. Encontrado na pai-
sagística do rosto. Expecta-
tiva de um sentido propício. A
revelação verso por verso.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Nova Natureza"


enviada por antonio01 às 03:13
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Quarta-feira, 2 de Outubro de 2013

Ceia

 

Nesta sala vivemos. Todos
no mesmo despojamento
da matéria. Aqui os meus dedos
agarram puras ideias de coisas.
Em volta estão sem luxúria
as figuras.
                                                (Natal de 1988)
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"


enviada por antonio01 às 01:37
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Terça-feira, 1 de Outubro de 2013

Idade

 

Conheci dias duradouros,
o sol tão longo entre manhã e tarde.
Um levantar súbito de luz
por trás da crista das heras no muro velho,
e depois descer no verão entre grades verdes
e para além do portão como a cair no Hades,
no inverno. Não havia tempo
nos dias longos, mas a passagem diária
do sol abençoado.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Poemas Revistos"


enviada por antonio01 às 01:54
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Sábado, 28 de Setembro de 2013

Apocalipse

 

Quando passa o tempo, as coisas
retornam aos elementos. E as cria-
turas. Para a transformação
final. Mas nem o fim
permanece. O cardume dos lagos
que morre embranquecido
por fim é de água. Os boquilobos
multicolores na beira das áleas
caem na terra e são terra.

Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"

 


enviada por antonio01 às 04:30
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Sexta-feira, 27 de Setembro de 2013

Imagem Minha

 

Ficas a ler comprazida diante das rosas
silhueta que vislumbrei compus e reanimei.
Tinhas o perfil marcado cruamente pela luz,
as mãos claras no colo, os cabelos despojados
do brilho das cabeleiras soltas, mas juvenis
e sacudidos no início da tarde com alegria.
As páginas balouçavam do mesmo modo que as rosas
porque ao começar a tarde nos dias de Verão
brisas e vapores estendem-se desde o mar
até às margens floridas. No teu banco
adornado por festões de rosas trepadeiras
afastas os olhos do livro não absorta
mas para sempre atraída por inúmeras imagens.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Poemas Revistos"


enviada por antonio01 às 01:26
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Quinta-feira, 26 de Setembro de 2013

Nos Arredores

 

Morosamente correm
água e tempo. Fácil é
metaforizar o tempo
por dados da Natureza.
Água que jorra da boca
do cano de chumbo esvai-se
em velha caleira aberta
cai para o rego
entre pés de feijoeiro.

Acontece
em pormenor um dia algures.
De súbito feijoeiros cruzam-se
ou ventos no encaniçado
passam entre flor e vagem.
As mãos já sem corpo
tacteiam as folhas
acamam no cesto leve
as vagens verdes ignotas.
Serva morta, volta
a crescer da Terra
como as trepadoras.
Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"


enviada por antonio01 às 03:05
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